Por Dimitrius Voliotis
Na última década, houve um crescimento significativo no número de pessoas trabalhando com a criação de conteúdo para mídias online. Segundo pesquisa da Associação Brasileira de Internet (Abranet) realizada em 2016, pelo menos 326 mil pessoas trabalhavam em sites ou áreas correlatas na web até aquele ano, representando um salto de 217% em relação ao início dos anos 2000.
As atividades variam, passando por blogs, criação de vídeos para o YouTube e, mais recentemente, conteúdo para redes sociais como o Instagram e o TikTok, além das pessoas responsáveis pela parte técnica que move o sistema. Dentre os conteúdos explorados, a maioria parte das vivências pessoais, como ocorre com Marcos Lima, idealizador do canal Histórias de Cego. Através de vídeos descontraídos, palestras e até um livro de crônicas, o youtuber e palestrante retrata a jornada cotidiana de uma pessoa com deficiência visual, rompendo estigmas e trazendo o debate sobre acessibilidade e outros temas de forma bem-humorada.
Apesar do crescimento no número de oportunidades na área de conteúdo digital, o caminho teve complicações para Marcos, que é cego. Segundo ele, a “falta de acessibilidade é um obstáculo o tempo todo. Os aplicativos têm em geral uma boa acessibilidade, mas para alguns detalhes é bem complicado”. Acrescentou ainda uma crítica específica ao Youtube, dizendo que “atualmente, programar um vídeo é tarefa quase impossível”.
De acordo com a Abranet, há acessibilidade em apenas 1% dos sites existentes no Brasil, conforme pesquisa realizada em 2020. A associação informou que “foram verificados recursos importantes para garantir a acessibilidade, como a descrição de imagens, identificação para leitores de tela, apontando quando há formulários e formas de preencher os campos destes”.
Os problemas, no entanto, não são a única face da internet para pessoas com deficiência. O espaço pode ser ocupado, trazendo maior representatividade e conscientização, além de, como Marcos ressalta, “dar voz às pessoas”, para falarem não só sobre suas deficiências, mas sobre qualquer assunto que as interessa. O jornalista optou pela carreira justamente para atingir um público maior, amplificando sua mensagem. “Falar para mais gente é parte fundamental da minha missão de usar a comunicação para quebrar barreiras e destruir os PreconCegos”.
O reconhecimento pelo trabalho veio e o canal de Marcos possui cerca de 275 mil inscritos, que o acompanham em seus vídeos semanais. Ele relata um pouco da dificuldade de atingir esse patamar, o que o levou, inclusive, a reconsiderar seguir com o projeto. “Encerrei o meu primeiro ano de youtube com menos de 100 inscritos. Você pensa em um vídeo, elabora o melhor possível e quando vê, tem 15 visualizações. Isso é muito frustrante. Cheguei a desistir do canal, fiquei uns seis meses sem postar vídeo nenhum”. Segundo ele, o ideal perseguido e a crença na importância do material produzido foram os motivos para continuar gravando.
Com relação aos preconceitos enfrentados, ainda que a sociedade sofra com o capacitismo explícito ou velado, o respaldo do jornalista pende mais para o lado positivo, afirmando que “o público recebeu e recebe muito bem”, além de que “há um ou outro comentário preconceituoso, principalmente em vídeos mais polêmicos, mas são de longe a minoria”. Quando perguntado sobre a representatividade de pessoas com deficiência no meio digital, Marcos lembrou mais uma vez de como a internet pode dar voz a quem queira falar, o que pode ajudar a tornar o ambiente mais plural.
Há um novo cenário disposto na internet, com novos postos a serem ocupados, maior diversidade, inclusão e debate, o que não significa que haja uma igualdade de oportunidades, considerando que ainda há processos de evolução por vir. Marcos é uma das exceções, conseguiu remar contra a maré e estabelecer sua voz nesse cenário, evidenciando o quão importante é fazer esforços para tornar esses espaços acessíveis a todos. Pensando nisso, o jornalista aconselhou a qualquer um que esteja interessado em seguir com projetos no ambiente digital, especialmente pessoas com deficiência, “para fazer por amor, para esquecer audiência ou monetização, porque esses são dois elementos muito frustrantes. Fazer porque gosta, porque acredita e deixar que o resto seja consequência”.