Crise em Hollywood: A Sub-representação das Pessoas com Deficiência

Por Catrina Jacinto

Nos últimos anos, Hollywood tem enfrentado desafios significativos, incluindo a queda na frequência aos cinemas e a competição acirrada com os serviços de streaming. No entanto, um dos maiores erros da indústria é a negligência de um público com enorme potencial: as pessoas com deficiência. Estudos recentes da Inevitable Foundation revelam que esse grupo, que representa cerca de 27% dos adultos nos Estados Unidos, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças, é “enorme, leal e engajado”, mas continua sub-representado tanto nas telas quanto nos bastidores. A fundação também destaca que 66% das pessoas, incluindo tanto indivíduos com deficiência quanto aqueles sem deficiência, estão insatisfeitas com a representação da deficiência e da saúde mental na mídia.

Apesar de ser o maior grupo minoritário nos EUA, apenas 4,7% dos atores em filmes de streaming e 7,1% nos lançamentos cinematográficos têm alguma deficiência visível, aponta o Relatório de Diversidade de Hollywood da UCLA de 2024. Os jovens, em particular, anseiam por assistir a filmes que espelhem a diversidade da população dos Estados Unidos, conforme destacou Ana-Christina Ramon, psicóloga social e coautora do relatório da UCLA. “Qualquer estúdio que se dedique a compreender o público principal, os jovens, alcançará um sucesso imenso”, afirma Ramon. Essa falta de representatividade, por conseguinte, não apenas aliena um público significativo, mas também desperdiça uma oportunidade de mercado valiosa. Além disso, diversas organizações voltadas para a promoção da diversidade sentiram os efeitos da redução dos investimentos em Hollywood. Um exemplo é o Creative Futures Collective, cujo cofundador, Jai Al-Attas, recordou que logo após a morte de George Floyd, muitas empresas aderiram à causa – porém, no final de 2022, a maioria já havia se afastado.

A redução na frequência nas salas de cinema, as persistentes perdas financeiras nas plataformas de streaming e os efeitos prolongados das greves de atores e roteiristas ocorridas no ano anterior culminaram em uma notável diminuição dos investimentos na indústria cinematográfica e televisiva em Hollywood. Os esforços voltados para a diversidade e inclusão, que têm permanecido em um estado de estagnação em diversos setores desde 2022, conforme revelado por uma pesquisa da Glassdoor, tendem a ser os primeiros alvos de cortes orçamentários. No entanto, dar prioridade à diversidade pode acarretar benefícios significativos para os resultados financeiros da indústria hollywoodiana.

Quando Hollywood se empenha em representar de forma autêntica personagens com deficiência, os resultados são notáveis. Um exemplo proeminente é o filme “No Ritmo do Coração” (2021), conhecido em inglês como “CODA”. Este filme retrata a vida de uma adolescente, Ruby, que é a única pessoa sem deficiência auditiva em sua família. A história explora os desafios e as alegrias da vida de Ruby, enquanto ela persegue seu sonho de cantar e apoia sua família em suas atividades de pesca. O filme ganhou três Oscars, incluindo o de Melhor Ator Coadjuvante para Troy Kotsur, o primeiro ator surdo a ser indicado e a ganhar um Oscar. Este reconhecimento não apenas destaca a qualidade da produção, mas também o impacto positivo que uma representação autêntica pode ter na percepção pública.

Outro exemplo notável é a minissérie “Toda Luz Que Não Podemos Ver” (2023), produzida pela Netflix e baseada no romance de Anthony Doerr. A série narra a história de Marie-Laure, uma jovem francesa cega que se envolve com a Resistência durante a Segunda Guerra Mundial. A atriz Nell Sutton, que interpreta Marie-Laure, é parcialmente cega, proporcionando uma representação autêntica e poderosa da experiência de vida com deficiência visual. A produção estreou em primeiro lugar nas paradas de TV em inglês, o que mais uma vez evidencia que histórias que retratam fielmente tais aspectos da realidade conquistam um forte apelo entre os espectadores.

Aparentemente, o império hollywoodiano está vivenciando um momento em que é preciso ver para crer. A busca crescente pela representatividade demonstra uma grande alteração nas preocupações sociais do público telespectador, o que, por conseguinte, implica diretamente em mudanças nos hábitos de consumo de mídias. Delegar os investimentos em diversidade em inclusão à estagnação desde o final de 2022 e afastar-se de organizações engajadas nessa temática é tratar essa pauta como uma tendência ou uma moda, e não como a realidade vivenciada dia após dia. Somente após calcular as estatísticas de perda de público e bilheteria é que se concretiza uma clara contestação: as pessoas querem assistir aquilo que as representa, e o escasso atendimento a essa demanda implica em uma grande desestabilização de mercado para o lado das produtoras. A autenticidade na representação não é apenas uma questão de justiça social, mas também uma estratégia comercial inteligente que pode ajudar a revitalizar a indústria cinematográfica.

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