Acessibilidade em tempos de pandemia: o injusto mundo limitado das pessoas com deficiência
Por Yasmim Augusto Todas as imagens desse artigo possuem texto alternativo com a audiodescrição resumida (#pracegover). Com aproximadamente 15 milhões de infectados e mais de 620 mil mortes, o coronavírus é um inimigo invisível que estamos enfrentando há meses. Com uma rotina repleta de mudanças, “adaptação” está sendo a chave para encarar e superar todo esse cenário mundial: em questão de dias, passamos a adotar a jornada em home office; a higienização se tornou um hábito muito presente; ir ao mercado deixou de ser uma tarefa costumeira e simples; EaD se tornou uma realidade muito disseminada; e um simples abraço se tornou uma ameaça. No geral, fomos afetados no nível econômico, social, educacional, de infraestrutura e de saúde pública. Sem critérios de seletividade, o vírus atinge e preocupa a todos, independente de classe e condição socioeconômica e não é novidade que o período de quarentena está sendo um desafio. Mas como será que as pessoas com deficiência (que representam 24% dos brasileiros) – já há muito excluídas socialmente – estão enfrentando esse período de maiores restrições ainda? As consequências de todas as mudanças que vivenciamos são mais acentuadas nas pessoas com deficiência, pois, na maioria das vezes, elas são marginalizadas, tendo dificuldades no acesso a direitos básicos (como locomoção e saúde) e precisam de ajuda de terceiros na realização de tarefas rotineiras, o que também dificulta o isolamento social. Até mesmo as atividades que se tornaram hábitos no tempo em que vivemos, como higienizar as mãos, tirar os sapatos e trocar de roupa ao chegarmos em casa, a necessidade de isolamento social e o próprio uso de máscara têm se mostrado como desafios para as pessoas com deficiência. Essas dificuldades se encontram nos vários níveis de deficiências: algumas pessoas desenvolvem comportamentos mais agressivos e ansiosos devido ao fato do isolamento, outros, ainda, têm a sua comunicação afetada e encaram diversos obstáculos para se adaptar à nova realidade e fugir das consequências negativas das desigualdades, que também podem se refletir no nível econômico. A própria OMS (Organização Mundial da Saúde) afirmou que “a pandemia de coronavírus está aprofundando as desigualdades para mais de um bilhão de pessoas [uma a cada sete pessoas no mundo] que têm alguma deficiência”, já que pobreza e deficiência estão relacionadas, de modo que 20% das pessoas que estão abaixo da linha da pobreza no mundo têm algum tipo de deficiência. Dessa forma, todas as pessoas com deficiência estão enfrentando diferentes dificuldades de acordo com sua realidade. Por exemplo, um cadeirante já enfrenta constantemente em sua vida as dificuldades da falta de acessibilidade nas ruas. Mas em tempos nos quais podemos carregar o vírus para casa devido ao contato com o solo, como realizar a constante higienização da cadeira ou deixá-la na porta de casa para evitar a contaminação? Ou, ainda, como evitar o contato com as rodas, já que muitos cadeirantes utilizam-se das mãos como forma de auxílio na movimentação da cadeira? E o que fazer quando um objeto de proteção coletiva se configura como um limitador de comunicação? As pessoas com deficiências ou limitações auditivas geralmente fazem leitura labial (principalmente aqueles que não dominam totalmente o uso de Libras – Língua Brasileira de Sinais) para entender o que as pessoas falam, mas atualmente a máscara está se tornando um obstáculo nesse aspecto. Devido a isso, essas pessoas vivem em um dilema: proteger quem está ao redor, ou proporcionar a comunicação? João Pedro, de 20 anos, graduando de Direito da UFJF-GV, com perda auditiva de 75% e sem domínio de Libras, explica a sensação em entrevista concedida a UFJF: “Imagine estar em um comércio russo. Você escuta vozes, mas não entende nada”. Outra dificuldade para as pessoas que realizam leitura labial também ocorre com as vídeo conferências e aulas online. Muitas pessoas optam por não aparecer em vídeo e isso impossibilita a leitura labial. Outras, ainda, esquecem o microfone aberto, o que provoca uma série de ruídos e interferências para aqueles com perda auditiva, dificultando o entendimento da fala. Além disso, também há um atraso entre a articulação da boca e o som da fala (delay), o que provoca falhas na conexão, levando a dessincronia entre as transmissões de áudio e vídeo, o que gera efeitos negativos para quem precisa fazer essa leitura visando entender as informações passadas. A comunicação também tem se mostrado como um risco para aqueles que dependem de Libras para transmitir as informações. Para Rafael Silva Guilherme, professor da UFJF-GV, tradutor e intérprete de Libras, em entrevista concedida a UFJF, “como [Libras] é uma língua gestual, ela é sinalizada com o corpo e as mãos. E a mesma mão com que eu falo é a mão que eu toco os objetos e que, em alguns momentos, preciso tocar o meu rosto. Alguns sinais são feitos com a aproximação da mão no rosto, próximo à boca, aos olhos. Isso poderia causar uma contaminação”. Rafael também afirma que o nível de emprego oferecido a população com deficiência, conforme regulamenta a Lei nº 8.213/93 (que obriga a contratação de um determinado percentual de pessoas com deficiência para cada número de funcionários) irá diminuir, porque “se as empresas estão demitindo as pessoas hoje por uma questão de crise, significa que o percentual obrigatório para cumprirem por causa da cota também vai diminuir”. E quanto às pessoas cegas ou com perda visual, que utilizam do sentido do tato como seus olhos? Como tocar os objetos sem provocar ou ser vítima de uma possível contaminação? E quanto as aulas realizadas no Ensino à Distância (EaD), que nem sempre estão prontas para atender a um público específico, sem ferramentas de acessibilidade, como Libras, Closed Caption e/ou Audiodescrição? Esses são alguns dos aspectos que têm permeado e dificultado ainda mais a realidade das pessoas com deficiência no momento atual. O isolamento social está sendo uma realidade difícil para toda a população mundial, mas as pessoas com deficiência estão encarando esse novo normal com maiores obstáculos, o que revela, portanto, a urgência de concretização de ações de inclusão social, pautadas